quinta-feira, 13 de maio de 2010

Vida longa ao bizarro!

Abro alas com um artigo de sobre paleoinvertebrados. Mesmo sendo um aficcionado por osteologia e pelos vertebrados em geral, não há paleontólogo que não reconheça a espetacularidade dos invertebrados fósseis do Folhelho Burgess (mais sobre eles no famoso “Vida Maravilhosa”, do igualmente famigerado paleontólogo Stephen Jay Gould). Em resumo, os fósseis de Burgess remetem ao Cambriano (com mais de 490 milhões de anos de idade), todos de organismos de corpo mole, e todos com suas singulares e (porque não?) bizarras formas de ser. Pois então. Acabou o Cambriano, acabou a fauna de Burgess, certo?


Errado! Apesar de se acreditar nisso por muito tempo (ainda que tenham havido contrários a essa crença), agora uma belíssima coleção de fósseis do Ordoviciano (período subseqüente ao Cambriano) do Marrocos veio para mudar esse fato. Alguns dos espécimes são apresentados no artigo de capa da edição de hoje da revista Nature (leia o artigo clicando aqui).




Acreditava-se que a maior parte da fauna típica de Burgess teria sido extinta e substituída por espécies surgidas no Grande Evento de Diversificação do Ordoviciano (que praticamente quadruplicou o número de gêneros viventes). O aumento da complexidade ecológica, acompanhante desse aumento de diversidade poderia ter tido efeito nessa possível extinção.
Neste artigo, os autores relatam que não uma extinção, mas sim a ausência de locais propícios para fossilização seria responsável por tão poucos achados de faunas semelhantes à de Burgess em outros locais de outros períodos geológicos. Os organismos do Folhelho Burgess são via de regra desprovidos de partes duras. Partes moles só se preservam em ambientes sedimentares muito especiais (onde não haja oxidação, nem ação de decompositores, e onde o organismo seja rapidamente soterrado por sedimentos muito finos, entre outros pré-requisitos). Como locais que reúnam essas condições perfeitas são relativamente raros, os fósseis acabam sendo igualmente escassos.


O fato do vale de Draa (sudeste do Marrocos) reunir todas essas condições permitiu preservar o testemunho de que, mesmo em sedimentos mais jovens, exemplares comparáveis à antiga fauna de Burgess persistiram. E mais: associados a grupos inteiramente novos para a época (como as recém surgidas estrelas-do-mar e os caranguejos-ferradura, entre outros), evidenciando uma fauna ainda mais diversa que a de “Vida Maravilhosa”. Alguns, de fato, são tão bizarros que, com a ajuda das cores conferidas pelos minerais que os compõem, arrisco dizer que dariam uma ótima capa para um álbum do Pink Floyd.